Encarnado era o céu que se estendia acima da marcha de flagelados sobre a terra seca sertaneja,
os pés que nela se arrastavam refletiam sua secura em suas peles, no couro de cada um deles. A
marcha os levava à borda da terra, que se mostrava alheia às necessidades de seus filhos; nela não
havia nada além de esqueletos que, na peleja pela sobrevivência, ainda se postavam vivos em meio a
poeira que salpicava a terra com angústia. Era encarnado o céu daquela madrugada, como que
anunciando a chegada do sol, que se erguia por detrás de montes e serras, dando continuidade ao seu
ciclo, indiferente à condenação que levava aos pecadores que abaixo de si sofriam, orando aos
mesmos céus onde se erguia por salvação.
Ainda de madrugada a marcha deu continuidade ao seu movimento em direção à costa para
que seus indivíduos pudessem se aproveitar do frescor que não tardaria de findar nas próximas horas,
não, minutos. Aqueles indivíduos amarelos e desnutridos, caminhando cada um em seu próprio ritmo,
tentavam ainda manter o compasso dos passos que davam, a fim de se manterem unidos. Eram três
famílias e uma viúva, e esta última, acabara de dar seu último passo.
Teimosa era a carcaça que insistia em se manter na caminhada, sua alma jazia presa no oco
que se fazia em seu coração, desligada ao corpo que antes foi seu, assistia à caminhada, estoica,
aguardando o momento em que já não haveriam mais passos a serem dados. Tombou a carcaça, a face
tornada à poeira, o corpo largado como boneca de pano no chão, tinha a pele assada pelo calor do
chão abaixo de si. Ergueu-se a carcaça da viúva, que ainda tinha vitalidade suficiente para se manter
de olhos abertos, e postaram-na numa rede, que seria carregada em busca de um enterro cristão, pois
já se sabia que o corpo nela já não haveria mais de viver por muito tempo.
O sol já se erguia no céu e limpava o escarlate que manchava a claridão azul dos dias, e
iluminando a terra e todos os seus filhos, iluminou a imagem de uma criança que marchava rente à
rede. Os olhos da carcaça tornaram-se à criança, que a observavam sem esboçar muitas emoções, mas
que fez saltar de surpresa a alma que estava encarcerada em seu vazio. Aquela criança era a sua
criança, era o seu filho que caminhava ao seu lado, olhos fixos ao horizonte à sua frente, corpo esguio
e saliente de ossos. Junto à imagem da criança viriam as memórias, as outras memórias, que
preencheriam sua visão pouco a pouco, sonhos e pesadelos soltos das rédeas da autoridade que antes
imperava em sua mente, agora fragilizada demais para esta função.
Angelina Ferreira dos Anjos era mais uma das muitas mães que, numa esperança tristemente
pífia, aguardava numa fila com um filho nos braços pelo atendimento do doutor. Ao fim da espera,
na salinha de atendimento, sentada em uma cadeira de frente a mesa do doutor, tentava encontrar
significado nas palavras turvas que ouvira sair da boca do doutor:
— Dona Angelina, a senhora me escutou?
— Sim… - respondeu ela confusa, ainda buscando se orientar, e sua confusão foi percebida
pelo doutor, que respondeu:
— Não temos como ajudar seu filho, já não temos medicamento, acabou tudo