Acompanhava-o em todo o seu escarcéu pelo pátio, acenando positivamente com a cabeça e
franzindo as sobrancelhas, e isso o chamou a atenção. Ele começou a falar mais próximo de mim, e
aproveitando isso, perguntei-lhe qual era a sua função ali, quem ele era afinal;
— Eu? Eu sou que nem tu. Tu não cheira, né? – confirmei, mesmo não cheirando–. Eu vim
pra cá à força pela minha família, porquê era viciado em pedra. Quer dizer, ainda sou, né? Vou lhe
dizer uma coisa; a gente nunca na vida vai deixar de ser viciado, e a gente nunca na vida vai deixar
de tomar remédio. Eu tomo o sertralina, pra ansiedade – esse nome eu reconheci e o guardei
comigo, pois tomei esse mesmo medicamento por um período de mais ou menos dez meses – e o
[…] – não sei, realmente não sei o nome.
Pegava o gancho em suas frases para fazer mais perguntas sobre o que ele dizia, sobre ele mesmo,
seu vício, a sua função como paciente e colaborador voluntário do local. Usei-o como um aparelho
para sanar dúvidas que eu tinha com a minha própria presença no ambiente. “Álcool e Drogas”, li e
“Drogas” identifiquei. Sou usuário habitual de maconha e, com uma frequência maior que qualquer
cidadão médio brasileiro, consumo também psicodélicos (LSD e supostos análogos e cogumelos),
então me convenci de que faria sentido eu ir me consultar lá. Também por sugestão de uma amiga à
época – colega hoje e, para sempre, ex-namorada –, que consumia habitualmente mais drogas que
um brasileiro usuário médio de maconha. Eu sentava, esperava, e perguntava-me se fazia sentido
estar junto ao rapaz que suplicava pelo seu remédio – ou pó, que seria acompanhado de muito
arrependimento, mas nenhuma
Passaram-se mais horas, e a maioria das pessoas no pátio já haviam sido atendidas ou já
estavam sendo atendidas pelos doutores nos consultórios. Eu agora estava acompanhado por uma
senhora, que aguardava por um atendimento, não para ela, mas para um parente. Não me lembro
bem se era o dele que ela aguardava, mas aquela senhora me contava de seu irmão, viciado em
drogas, extremamente presunçoso e arrogante. Quando criança, contou-me ela, ele era muito
competitivo e seus pais o influenciava, fazendo-o se envolver em diversas atividades de alta
produtividade intelectual que consumiam muito do seu tempo de criança, mas que lhe davam uma
satisfação pervertida pelo mérito que recebia, além dos prêmios e uma grande capacitação. Caiu nas
drogas, e foi muito difícil convencê-lo a começar o tratamento devido a sua arrogância. À época, ele
já era um senhor, ainda viciado. Para sempre viciado, para sempre tomando remédio. Disse-me que
eu era muito parecido com seu irmão, porém aparentemente menso desdenhoso e mesquinho, e
disse-me também que, quando me viu antes de aproximar-se de mim, eu estava cinza, pálido, com
um aspecto de frieza do sangue, e que naquele momento em que me dizia estas mesmas coisas, eu já
aparentava diferente, “corado”. Ela pediu meu número, disse que ligaria para saber de novidades.
Nunca ligou.
A mulher foi embora, e pouco após a sua ida, chegou a minha vez de ir para o consultório
com a psicóloga. Fiquei espantando com o que vi quando entrei na sala, o próprio ambiente branco
e hospitalar que têm os consultórios médicos de quaisquer tipos já me trazem nervosismo, minha
pressão naquele momento estava baixa, e quando entro, três ou quatro garotas estavam sentadas em
cadeiras rentes à parede, com caderninhos em seus colos, e a doutora junta a uma mesa com um
computador. Não sei se ela pôde perceber o completo descontentamento que eu expressava em meu
rosto com aquela situação, mas a primeira coisa que ela me perguntou depois de um cordial “Boa
tarde, fique à vontade” foi se estava tudo bem que aquelas estudantes de Psicologia duma faculdade
particular próxima acompanhassem o meu atendimento para fins de estudo, elas estavam estagiando
ali. Elas me cumprimentaram e eu também as cumprimentei, ainda ansioso, mas mais aliviado pelo
esclarecimento. Disse que não, não ficaria confortável. Então a médica me perguntou se podia ficar
ao menos uma, disse que sim, então ela me perguntou se podiam ficar duas. Disse que sim. Duas
ficaram, o restante saiu. Queixei-me de ansiedade, experiências de dissociação, tristezas e estresses
intensos e repentinos, angústia, traumas com meus pais e eticéteras. Ela me perguntou umas coisas,
e fui respondendo, dizendo outras. Expressei minha vontade de induzir episódios dissociativos para
talvez melhor compreendê-los, tendo em vista que eles provavelmente não iriam parar nunca em
minha vida, sempre voltando em algum momento de ansiedade extrema. Ela disse que melhor não.
É, melhor não.